Um ambiente que educa: a importância do tempo - espaço - interações

A vida de um grupo de crianças numa sala de jardim de infância tem muito que se lhe diga, embora possa não parecer! Há muito para observar e escutar, para gerir e mediar... o ambiente educativo, a forma como se organiza o tempo e o espaço que as crianças habitam, tem primordial importância, sendo até considerado o terceiro educador. As OCEPE destacam a sua relevância:

"A organização do ambiente educativo (o grupo, o espaço e o tempo) enquanto suporte do desenvolvimento curricular, é planeada como um contexto culturalmente rico e estimulante. A apropriação desse ambiente por parte das crianças contribui para o desenvolvimento da sua independência, sendo que as oportunidades de participação nas decisões sobre essa organização favorecem a sua autonomia" (OCEPE, 2016:17)

Na verdade, na Educação Pré-escolar o educador e a criança educam e educam-se e, para além destes dois sujeitos envolvidos num processo dinâmico, o ambiente surge também como educador, na medida em que deve ser idealizado e preparado para ser acolhedor, desafiante e seguro, favorecer a autonomia e uma abordagem ativa e participativa. Há que preparar o ambiente educativo para as crianças (seja interior ou exterior) com o mesmo cuidado com que nos preparamos para receber visitas importantes! 

Ao longo dos últimos anos, o espaço exterior tem vindo a ganhar cada vez mais visibilidade e importância no ambiente educativo, principalmente desde que teve início a pandemia, sendo que o desemparedamento da infância vem ganhando, e bem, cada vez mais adeptos. Para tal, muito têm contribuído os alertas do incansável Prof. Carlos Neto para a importância de mexer o corpo e de contactar com a Natureza, para uma aprendizagem mais significativa e com sucesso.

Mas o ambiente educativo faz-se também de tempo e a organização do tempo leva à criação de rotinas, que devem ser negociadas com as crianças, fazer sentido para elas e dar-lhes segurança, para além de contribuírem para a apropriação das noções de tempo:

"A consciencialização das rotinas, dos diferentes momentos que se sucedem ao longo do dia e ao longo do ano, a elaboração e uso de horários e calendários são importantes para a compreensão de unidades básicas do tempo. É através destas vivências que a criança toma consciência do desenrolar do tempo: o antes e o depois, a sequência semanal, mensal e anual e ainda o tempo marcado pelo relógio." (OCEPE, 2016:88)

Por cá temos uma rotina diária e também semanal, composta por atividades e tarefas que se repetem ao longo do dia, ou nos diferentes dias da semana e que podem ser muito mais do que apenas momentos rotineiros, oportunidades de brincadeira e aprendizagem. 

É o que tem vindo a acontecer, por exemplo, com a rotina da distribuição das tarefas diárias na sala 1, um conjunto de ações que se repetem todos os dias:
- Escolher a canção do bom dia (a grande, a média ou a pequena)
- Contar quem está presente (meninas, meninos e todos juntos)
- Preencher o quadro do tempo (ano, estação do ano, mês, dia do mês, dia da semana, tempo que faz e atividade da rotina semanal)
- Distribuir os lanches
- Ir ao compostor, colocar os restos da fruta do lanche
- Ir à horta, verificar se é necessário fazer alguma coisa (regar, retirar ervinhas, colher, etc.)
- Regar as plantas da sala
- Tocar a campainha, quando é hora de arrumar a sala
- Tratar dos Diários de Grupo (ir buscar e arrumar depois do preenchimento)
- Chamar para a cantina, um de cada vez, para irmos com calma para a refeição (sem comboios)
- Organizar e distribuir as produções individuais da semana (só à sexta-feira)
No nosso quadro de tarefas estas estão representadas por imagens e, a cada dia, usamos os cartões individuais para fazer a distribuição, os quais têm a foto e o nome em letra IMPRESSA e também em letra cursiva (manuscrita). 

Ao longo deste ano, a distribuição das tarefas já foi feita das mais diversas formas, seguindo as sugestões das crianças e aumentando aos poucos o grau de complexidade:
- Mostrar simplesmente a foto no cartão, para identificar quem é a escolher a tarefa
- Descrever pormenores de cada foto (como a cor da roupa, ou o cabelo) sem a mostrar
- Mostrar apenas o nome em letra IMPRESSA
- Dizer uma rima para o nome da criança na foto
- Dizer o nome e pedir uma palavra que rime com ele
- Contar as sílabas do nome da criança, com batimentos de palmas
- Dizer os apelidos da criança, para descobrir quem é
- Dizer o nome e pedir ao grupo os apelidos daquela criança
- Indicar apenas o som inicial do nome da criança

Mais estratégias irão certamente ainda surgir, por sugestão das crianças ou da educadora, de modo a contribuir para o desenvolvimento de novas competências no âmbito da abordagem à escrita, da consciência linguística e fonológica, aspetos importantes para a posterior aprendizagem da leitura e da escrita. Algumas estão já na manga...
- Mostrar apenas o nome em letra manuscrita (cursiva) 
- Referir o número de sílabas e a letra inicial do nome
- Indicar a data de nascimento...
Assim, a intencionalidade educativa da educadora associa-se à iniciativa das crianças, tornando uma rotina num momento aguardado com expectativa, divertido e rico em aprendizagens.

Mas há que ter em atenção algo muito importante: o tempo e o espaço só se transformam em ambiente educativo quando há relação. A relação que os adultos estabelecem com cada criança é baseada no cuidar e no educar, que estão intimamente relacionados. Ser responsável por um grupo de crianças exige estar atento ao seu bem estar emocional e físico e dar resposta às suas solicitações, sejam elas implícitas ou explícitas. Trata-se de um cuidar ético, em que todas as crianças se sentem bem, pois sabem que são escutadas e valorizadas.

"O vínculo criado entre educador e criança é tão importante quanto outros parâmetros considerados primordiais pelos referenciais de qualidade. É por meio da construção de uma relação afetiva acolhedora que a criança se sente segura e disponível para as atividades entre pares e o consequente desenvolvimento de suas possibilidades". (fonte)

Na verdade, só organizando o espaço-tempo de forma consensual e participativa, e estabelecendo vínculos fortes, através de relações de cumplicidade e respeito entre todos os envolvidos, será possível criar um ambiente que educa e que prepara, não só para o primeiro ciclo, mas para a vida!

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